O Tribunal da Relação de Coimbra reconheceu o direito do membro sobrevivo de uma união de facto a permanecer na casa que pertencia à sua companheira, mesmo dispondo de casa própria no mesmo concelho.
Segundo a Relação, o direito real de habitação sobre a casa de morada de família a favor do membro da união de facto sobrevivo constitui-se, por determinação legal, logo no momento em que ocorre o óbito do outro membro dessa união que era o proprietário da casa, não sendo necessário qualquer reconhecimento judicial.
Assim, tendo o óbito ocorrido antes da entrada em vigor da legislação que veio excluir a possibilidade do direito real de habitação ser conferido ao membro sobrevivo quando este disponha de casa própria no mesmo concelho, é aplicável a legislação anterior que não previa essa exigência.
Trata-se de uma regra que consagra um novo pressuposto impeditivo da constituição de um direito e que, por essa razão, não é aplicável aos direitos já constituídos.
A Factualidade
Em 1995, um casal decidiu passar a morar junto, em união de facto, na casa que pertencia a um deles, tendo permanecido nessa situação até que, em Abril de 2010, a proprietária da casa faleceu. O membro sobrevivo da união de facto decidiu continuar a viver na mesma casa e reclamou junto dos herdeiros o reconhecimento desse seu direito. Pediu também que estes lhe pagassem uma pensão de alimentos de montante não inferior a 400 euros de modo a poder prover o seu sustento e que uma das herdeiras fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização por o ter ameaçado verbalmente.
Em tribunal os herdeiros contestaram essa pretensão alegando que o casal nunca tinha vivido em união de facto e que aquele era proprietário de duas outras casas cujos quartos arrendava a estudantes e de uma loja que também tinha arrendada para salão de cabeleireiro. Pediram, ainda, que fosse condenado como litigante de má fé.
O tribunal condenou os herdeiros a reconhecerem a existência da união de facto mas não a atribuir o direito de habitação do imóvel ao membro sobrevivo uma vez que este possuía casa própria no mesmo concelho. Condenou, ainda, a herdeira em causa a pagar-lhe uma indemnização no valor de 200 euros pelas ameaças que tinha proferido.
Inconformado com a decisão, recorreu para a Relação. Esta reconheceu-lhe razão relativamente ao direito de habitar o imóvel uma vez que a lei que excluía essa possibilidade quando o interessado dispusesse de outra residência no mesmo concelho entrara em vigor já depois de ocorrido o óbito. Quanto ao mais manteve a decisão anterior.
Os herdeiros tiveram, assim, que reconhecer à pessoa que tinha vivido com a sua familiar o direito de permanecer na casa que tinha sido desta e que agora tinham herdado.
Ref. Ac. do RC, proferido no processo n.º 1267/10.1TBCBR.C1, de 19 de Fev. de 2013
Lei n.º 7/2001, de 11/05, artigo 4.º e 5.º; Lei n.º 23/10, de 30/08